Quando o assunto é confiança em adotar a inteligência artificial, o Brasil aparece à frente de nações desenvolvidas e com mais predisposição para a nova tecnologia do que a média global.
O entusiasmo do brasileiro, no entanto, não se reflete no ritmo de investimentos em IA, nem no apoio governamental para o setor. As conclusões fazem parte de um estudo da consultoria americana Oliver Wyman.
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O relatório indica que o Brasil tem um dos mais altos níveis de familiaridade (81%) e de confiança (94%) em relação à inteligência artificial, taxas que superam a de países como Estados Unidos e Reino Unido, que lideram os investimentos no setor.
No geral, 87% dos brasileiros afirmam que começaram a utilizar a inteligência artificial no trabalho – taxa que supera a média do restante dos países, que ficou em 79%.
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Em relação a frequência, 67% dizem que usam ferramentas de IA ao menos uma vez por semana, o que deixa o Brasil atrás apenas de Índia, Emirados Árabes e Indonésia nesse quesito.
Ao todo, 25 mil pessoas foram ouvidas, em dezesseis países, nos meses de julho, novembro e dezembro do ano passado. Todos os respondentes estão inseridos no mercado de trabalho.
Arnaud Dusaintpère, sócio da área de Varejo e Bens de Consumo da Oliver Wyman, destaca que o Brasil lidera, globalmente, os índices de confiança na inteligência artificial. Para ele, o resultado é fruto de uma cultura que costuma ser “mais permeável” a inovações digitais, com “grau de confiança a priori” em tecnologias:
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— A alta penetração das redes sociais no Brasil pode ser um fator que facilita a adoção maior dessa tecnologia digital. Essa mentalidade é observável em vários setores, inclusive no varejo, em que existe uma curiosidade e uma capacidade forte para adotar e testar novas tecnologias sem preconceitos.— avalia.
Investimentos não refletem entusiasmo
Dusaintpère lembra que o entusiasmo do brasileiro com a IA é “inversamente proporcional”com a posição do Brasil em termos de investimento e envolvimento governamental com a tecnologia. Em termos de fluxo de capital, o país fica bem atrás de nações como EUA, Canadá, Itália e Alemanha.
Ao comparar o grau de engajamento de diferentes países com a IA, o Brasil aparece com a nota 8 (em uma escala de zero a 10) em “familiaridade”, “confiança” e “adoção pela força de trabalho”. Do outro lado, o país recebeu nota 4 em “fluxo de investimento” e pontuação 3 nos quesitos “patentes” e “envolvimento governamental”.
O sócio da Oliver Wyman explica ainda que há um apetite das empresas brasileiras em “consumir” ferramentas de inteligência artificial para reduzir custos e aumentar a produtividade, mas o país tem lacunas em relação ao capital que irriga o desenvolvimento dessa tecnologia.
— Há menos fundos de Venture Capital (capital de risco) no Brasil em comparação com outros países, e menos startups e scale-ups (empresas maduras) brasileiras desenvolvendo esse tipo de tecnologia no Brasil — afirma Dusaintpère.
Ele lembra também que, globalmente, Europa e EUA concentram a maior parte de todos os investimentos em IA. Dados da consultoria CB Insights mostram que o capital de risco voltado para inteligência artificial totalizou US$ 42,5 bilhões, no mundo, em 2023. Desse montante, 73,8% foi irrigado para startaups americanas e 15,2% para para europeias.
Sobre o nível de engajamento governamental nessa gente, Dusaintpère diz que enxerga avanços do governo atual em relação à agenda de tecnologia. No início do mês, durante reunião do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia (CNCT), o presidente Lula defendeu a criação de um plano nacional para a inteligência artificial. No Congresso, parlamentares discutem um projeto de lei para regular a tecnologia.
47% fariam consulta médica com IA
O estudo avaliou dados e ouviu pessoas nos EUA, Canadá, México, Reino Unido, Itália, Alemanha, França, Espanha, Emirados Árabes Unidos, África do Sul, Austrália, Singapura, China (Hong Kong), Indonésia e Índia. Além do trabalho, foi medida também a predisposição, em cada país, para adoção da IA em áreas como saúde e finanças.
Quase metade dos brasileiros (47%) diz que realizaria consultas virtuais com IA para questões não urgentes, taxa superior à média de 40% no restante do mundo. Nas finanças, 45% dizem que aceitariam ter um consultor financeiro virtual, contra média global de 37%. Mais da metade dos entrevistados também usaria uma IA que o ajudasse a criar um orçamento personalizado.
Os dados gerais da pesquisa foram divulgados pela Oliver Wyman em janeiro deste ano, durante o Fórum Econômico Mundial, mas sem o recorte específico sobre o Brasil. No relatório, a consultoria previa que a IA generativa tinha o potencial de gerar US$ 20 trilhões adicionais no PIB global até 2030, e poupar 300 bilhões de horas de trabalho.
O estudo também apontava para o temor de trabalhadores em relação ao impacto da IA para perda de postos de trabalho — três em cinco trabalhadores de escritório temiam que suas funções pudessem ser automatizadas. A consultoria estima 60% da forma de trabalho global vai precisar ser requalificada até 2027, com um custo de US$ 1,7 trilhão para treinar profissionais para aplicação da IA.